A importância sócio-econômica e cultural da água mineral no Brasil
Autores:Prof. Edison Nunes, Profª Maria Margarida Cavalcanti Limena, Profª Silvia Helena Simões Borelli / PUC - São Paulo
1. Apresentação
Este documento, produzido por uma equipe de especialistas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, apresenta os resultados preliminares da primeira fase da pesquisa A importância sócio-econômica e cultural da água mineral no Brasil, realizada entre os meses de junho e agosto de 1999, com o objetivo de subsidiar a Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais — ABINAM no desenvolvimento de políticas e diretrizes para o setor.
2. Objetivos
Caracterizar a produção do setor de água mineral de forma a recuperar sua importância em termos da contribuição para a formação da identidade e do patrimônio social, político, econômico, cultural e ambiental das localidades onde a produção está instalada.
Identidicar os impactos decorrentes da redução e/ou extinção da produção da água mineral nessas localidades nos aspectos referentes à alteração da dinâmica econômica, social, cultural, política e ambiental.
Analisar processos decisórios e espaços para possíveis estratégias de atuação do setor em relação às possibilidades de enfrentamento da "água purificada adicionada de sais".
Caracterizar a produção do setor de água mineral de forma a recuperar sua importância em termos da contribuição para a formação da identidade e do patrimônio social, político, econômico, cultural e ambiental das localidades onde a produção está instalada.
Identidicar os impactos decorrentes da redução e/ou extinção da produção da água mineral nessas localidades nos aspectos referentes à alteração da dinâmica econômica, social, cultural, política e ambiental.
Analisar processos decisórios e espaços para possíveis estratégias de atuação do setor em relação às possibilidades de enfrentamento da "água purificada adicionada de sais".
3. Metodologia utilizada
A pesquisa foi desenvolvida a partir dos seguintes procedimentos:
*Entrevistas/depoimentos com personagens relevantes, depositárias da história e da memória do setor;
*Entrevistas com agentes envolvidos nos processos decisórios (prefeitos, secretários municipais etc.);
*Levantamento de material iconográfico — plantas, fotos, documentos.
*Coleta de informações nas seguintes localidades:
A pesquisa foi desenvolvida a partir dos seguintes procedimentos:
*Entrevistas/depoimentos com personagens relevantes, depositárias da história e da memória do setor;
*Entrevistas com agentes envolvidos nos processos decisórios (prefeitos, secretários municipais etc.);
*Levantamento de material iconográfico — plantas, fotos, documentos.
*Coleta de informações nas seguintes localidades:
Águas da Prata (SP)
Águas de Lindóia (SP)
Lindóia (SP)
Serra Negra (SP)
Caxambú (MG)
Lambari (MG)
Cambuquira (MG)
São Lourenço (MG)
Campo Largo (PR)
Poá (SP)
Itapecerica da Serra (SP)
São Paulo (SP)
Águas de Lindóia (SP)
Lindóia (SP)
Serra Negra (SP)
Caxambú (MG)
Lambari (MG)
Cambuquira (MG)
São Lourenço (MG)
Campo Largo (PR)
Poá (SP)
Itapecerica da Serra (SP)
São Paulo (SP)
Síntese dos resultados alcançados pela Pesquisa
Efeitos da reconceitualização: água mineral x água purificada adicionada de sais:
A água purificada adicionada de sais globalizada, desterritorializada, vem concorrer com a água mineral entendida como um produto essencialmente territorializado, com características originais, únicas e incomparável às demais;
A água adicionada de sais causa impactos negativos na imagem da água mineral que é sem tratamento, pura, natural, saudável e com origem definida;
Provoca dificuldade do consumidor em estabelecer a diferença entre ambas as águas, no tocante às características de ambas (origem e composição), especialmente quanto às características presentes nos rótulos das águas adicionadas de sais;
A utilização da expressão "água purificada" pode levar o consumidor a um entendimento de que esta poderia ser de melhor qualidade.
Impactos sobre as indústrias engarrafadoras
Impossibilidade das pequenas e médias empresas "massificarem" a produção de modo a enfrentar a concorrência com um produto "globalizado";
Impossibilidade de as empresas, isoladamente, enfrentarem a concorrência de campanhas de marketing globalizado; a exemplo do que ocorre no setor de refrigerantes, onde grandes marcas desenvolvem um estilo agressivo na condução da disputa mercadológica;
Impactos sobre o patrimônio construído pelas empresas no âmbito da geração e difusão de novos conhecimentos e tecnologia, da inserção de mão-de-obra qualificada e da oferta de empregos, principalmente em regiões do Interior;
Dificuldades de enfrentamento da questão da concorrência na distribuição dos produtos, já dominada por grandes grupos, o que poderia ser avaliado por meio de comprovação específica junto aos distribuidores.
Impactos sobre as localidades onde se situam as fontes e engarrafadoras
Perda de características diferenciais das cidades, construídas em torno da água mineral;
Perda de referências da identidade local e de todo um processo econômico, político, social e cultural construído em torno da presença da água mineral;
Prejuízos às atividades turísticas, fundamentadas no trinômio: natureza, juventude, esportes, como mecanismos de revitalização das localidades em que o turismo entrou em processo de declínio;
Prejuízos em relação a outras atividades econômicas – pequenas indústrias, comércio e serviços, que giram em torno da água mineral e do turismo;
Enfraquecimento das relações comunitárias locais, especialmente nas cidades em que a atuação da empresa engarrafadora é expressiva, no âmbito da filantropia, do patrocínio de uma série de atividades culturais e desportivas e no desenvolvimento de projetos voltados à melhoria da cidade;
Possibilidade de enfraquecimento das elites locais, vinculadas, principalmente, à tradição das famílias que dirigem a atividade de engarrafamento nas localidades e influenciam, direta ou indiretamente, o poder local.
Impactos em relação ao meio ambiente
Efeitos sobre o comportamento do setor que tem se pautado pela defesa da qualidade ambiental, da preservação dos lençóis subterrâneos e da preservação/incremento de uma consciência ecológica. Pode-se afirmar que os proprietários de empresas engarrafadoras em diversas localidades atuam como defensores do meio-ambiente e agentes de educação ambiental. Além de diversos programas ambientais aos quais as empresas engarrafadoras estão ligadas direta ou indiretamente, deve-se salientar a magnitude das ações do Setor quanto às áreas de preservação: somente as áreas de proteção das fontes, somadas, representam dimensão equivalente ao Estado de Sergipe.
Como as empresas e autoridades locais avaliam o processo de concorrência com a água adicionada de sais:
Necessidade de esclarecimento do consumidor quanto às características da água mineral, enfatizando seus atributos: pura, saudável, natural e com origem definida;
Conscientização da população no sentido do estabelecimento da diferença entre ambas as águas;
Como se dividem as opiniões:
Enfrentar a concorrência com a água adicionada de sais por meio de ações conjuntas das empresas do setor, mais diretas, envolvendo estratégias de marketing e estratégias publicitárias para mobilização de formadores de opinião e para esclarecimento do consumidor;
Estratégias conjuntas no sentido de mobilização dos segmentos políticos ligados aos níveis local, regional e nacional, buscando aperfeiçoamento normativo, a fim de coibir a indução a erro do consumidor.
"Apostar" na capacidade seletiva do consumidor, deixando a seu critério a escolha.
Quanto à legislação:
Necessidade de uma legislação mais "preservadora", visando reduzir o poder das grandes empresas;
Deve-se salientar o fato de que a presença de um código de ética e de um código legal de proteção poderia ser capaz de neutralizar o jogo de poder que se estabelece no mercado - agressivo, desleal etc. – entre as empresas locais e as empresas globalizadas.
O debate em torno da denominação da água adicionada de sais, objeto de várias portarias, revela a influência dos setores econômicos mais fortes na elaboração da própria legislação e os benefícios a serem auferidos apenas por esses grupos: na Portaria de no. 328, de dezembro/1995, a denominação utilizada é "água adicionada de sais"; quatro anos depois, o debate se acirra e, em 1999, uma nova Portaria, de nº. 26, de Janeiro, e a Resolução nº. 309, definem, respectivamente, "água comum adicionada de sais" e "água purificada adicionada de sais", beneficiando as empresas e grupos interessados.
A água mineral na globalização
Os resultados alcançados pela pesquisa, expressos neste relatório, demonstraram que a história da água mineral no Brasil entreteceu-se com a vida das localidades nas quais nascem, desempenhando, ao longo do tempo, um conjunto muito amplo de funções para além daquelas de uma mera commodity. No momento presente, as principais funções da água mineral estão associadas à identidade das localidades e sua organização; ao valor econômico; à geração de empregos; à difusão de tecnologia e à defesa do meio ambiente. A exploração comercial da água mineral não pode ser entendida como uma atividade econômica qualquer, exatamente por seu caráter acentuadamente multifuncional. Viu-se que o impacto da concorrência, de produto globalizado e assemelhado por força de marketing, extrapola em muito as empresas engarrafadoras, atingindo a vida das localidades.
O setor de águas minerais no Brasil constitui hoje precioso caso para a reflexão sobre os efeitos da globalização nas nações em desenvolvimento e, sobretudo, da necessidade de criação de políticas mais sutis e diversificadas de inserção na nova ordem mundial. Fica patente pelo seu estudo que regras gerais e simplistas são insuficientes para assegurar um desenvolvimento econômico e social de feições desejadas pela cidadania.
O valor de algumas atividades não se limita a quanto geram de renda monetária
O exemplo europeu parece bastante útil nesse caso: lá não se aceita que as benesses do livre-comércio,
geradora de salutar concorrência capaz de maximizar produtividade e qualidade na maioria das atividades econômicas, possa ser justificativa para uma política inadvertida que, ao desconhecer as peculiaridades de poucos e determinados setores, acaba por comprometer a organização social e econômica de regiões inteiras. Argumentam os europeus que o valor de algumas atividades não se limita ao quanto geram de renda monetária, já que tais atividades mantém uma relação particularizada e importante com o meio ambiente e com a sociedade nele presente. Protegem assim sua agricultura para defender a paisagem da deterioração causada pela inatividade produtiva ou por novo uso mais agressivo ao meio; para a garantia da vida social de suas localidades, evitando o êxodo e, também, por motivos geopolíticos, entre outros. Este é o entendimento da multifuncionalidade do setor.
Assim, as políticas européias de inserção na economia globalizada não fazem tábula rasa das condições concretas de setores sensíveis e socialmente importantes. Trata-se de política mais ajustada à realidade, manejada por gestores preocupados com o tipo de efeito de suas decisões sobre a vida de seu povo. O exemplo europeu deveria ser seguido pelas autoridades brasileiras no caso da indústria de água mineral: todas as características do setor integram-no ao conceito de multifuncionalidade e, requer, por isso mesmo, proteção especial.
Não se trata aqui de defesa protecionista da economia nacional contra a concorrência estrangeira, nem de reivindicação corporativa. A defesa de um setor multifuncional é moderna, contemporânea à globalização, e busca a proteção da sociedade contra a atividade econômica predatória. E este é um direito inalienável das nações e um dever de suas autoridades.
As autoridades brasileiras, infelizmente, não estão a comportar-se como suas congêneres européias no caso das águas minerais. Afora vereadores e prefeitos das localidades produtoras, poucos são os parlamentares e detentores de cargos executivos atentos à questão. Prova disso é que o processo decisório que autorizou a produção da "água comum adicionada de sais" limitou-se a um ato administrativo assinado por um diretor interino do Departamento Técnico-Normativo da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, sem a salutar instrução da voz dos setores potencialmente interessados. Isto mostra o quanto o Brasil ainda está atrasado no que se refere à compreensão das exigências de uma democracia forte.
A indústria brasileira de águas minerais dificilmente poderá concorrer com um produto assemelhado, mas globalizado.
É impossível transferir as fontes para regiões mais próximas aos mercados consumidores
As peculiaridades da produção de água mineral têm assegurado um setor marcadamente concorrencial, com cerca de duzentas pequenas e médias empresas, dispersas pelo território nacional, alocadas, especialmente, em regiões interioranas. Seus produtos estão normalmente associados às respectivas fontes, o que permite apenas uma atividade de marketing bastante modesta comparada a de um produto globalizado. Além disso, ao contrário do que pode ocorrer com a "água adicionada de sais", é impossível transferir as fontes para regiões mais próximas aos mercados consumidores. Assim, o transporte, que pesa bastante na composição dos custos, pode vir a ser um diferencial importantíssimo contra as chances da indústria de águas minerais. Outra fonte relevante de custos da água mineral está nas exigências de proteção ambiental, ausentes naturalmente em produto industrializado.
A água adicionada de sais continuará a não ser água mineral
O resultado disso tudo é que a água adicionada de sais será mais barata, melhor propagandeada, melhor distribuída... embora continuará a não ser água mineral. A maioria dos consumidores, não sabendo diferenciar os produtos, já que a publicidade da água adicionada de sais em tudo evoca a mineral, provavelmente fará a opção enganado.
Na impossibilidade de concorrer, o cenário mais provável é o da aquisição das concessões de lavra pelas multinacionais do setor alimentício e de refrigerantes, sabidamente oligopolizados. Em tal caso, a água mineral brasileira, cuja qualidade é comparável às melhores do mundo, poderá tornar-se produto de alto luxo, com preços bastante elevados.
Para reestabelecer a justiça, esta lógica não se circunscreve somente no âmbito das multinacionais. Maximizar os próprios interesses é atitude intrínseca aos agentes econômicos de um modo geral. Os efeitos desse tipo de atitude é que variam segundo os recursos de poder e as condições do meio. É neste aspecto - o dos recursos de poder - em que a vantagem das multinacionais é irrefutável.
A globalização da economia, em seu sentido restritivo de acordo de supressão de barreiras alfandegárias e desregulamentação, só faz sentido como exposição dos agentes econômicos às regras da concorrência e jamais pode ser invocada para a concentração e oligopolização dos efeitos danosos às sociedades.
Ela só é compensada pela presença, no meio social, de regras que restrinjam o potencial agressivo sem lhe tolher a capacidade de prosperar em parceria profícua com a sociedade nacional.
No caso da "água adicionada de sais" urge, por parte das autoridades, repensar as regras, a fim de que o consumidor não seja logrado e a sociedade possa continuar a usufruir dos benefícios da presença significativa do setor da água mineral.
A água purificada adicionada de sais globalizada, desterritorializada, vem concorrer com a água mineral entendida como um produto essencialmente territorializado, com características originais, únicas e incomparável às demais;
A água adicionada de sais causa impactos negativos na imagem da água mineral que é sem tratamento, pura, natural, saudável e com origem definida;
Provoca dificuldade do consumidor em estabelecer a diferença entre ambas as águas, no tocante às características de ambas (origem e composição), especialmente quanto às características presentes nos rótulos das águas adicionadas de sais;
A utilização da expressão "água purificada" pode levar o consumidor a um entendimento de que esta poderia ser de melhor qualidade.
Impactos sobre as indústrias engarrafadoras
Impossibilidade das pequenas e médias empresas "massificarem" a produção de modo a enfrentar a concorrência com um produto "globalizado";
Impossibilidade de as empresas, isoladamente, enfrentarem a concorrência de campanhas de marketing globalizado; a exemplo do que ocorre no setor de refrigerantes, onde grandes marcas desenvolvem um estilo agressivo na condução da disputa mercadológica;
Impactos sobre o patrimônio construído pelas empresas no âmbito da geração e difusão de novos conhecimentos e tecnologia, da inserção de mão-de-obra qualificada e da oferta de empregos, principalmente em regiões do Interior;
Dificuldades de enfrentamento da questão da concorrência na distribuição dos produtos, já dominada por grandes grupos, o que poderia ser avaliado por meio de comprovação específica junto aos distribuidores.
Impactos sobre as localidades onde se situam as fontes e engarrafadoras
Perda de características diferenciais das cidades, construídas em torno da água mineral;
Perda de referências da identidade local e de todo um processo econômico, político, social e cultural construído em torno da presença da água mineral;
Prejuízos às atividades turísticas, fundamentadas no trinômio: natureza, juventude, esportes, como mecanismos de revitalização das localidades em que o turismo entrou em processo de declínio;
Prejuízos em relação a outras atividades econômicas – pequenas indústrias, comércio e serviços, que giram em torno da água mineral e do turismo;
Enfraquecimento das relações comunitárias locais, especialmente nas cidades em que a atuação da empresa engarrafadora é expressiva, no âmbito da filantropia, do patrocínio de uma série de atividades culturais e desportivas e no desenvolvimento de projetos voltados à melhoria da cidade;
Possibilidade de enfraquecimento das elites locais, vinculadas, principalmente, à tradição das famílias que dirigem a atividade de engarrafamento nas localidades e influenciam, direta ou indiretamente, o poder local.
Impactos em relação ao meio ambiente
Efeitos sobre o comportamento do setor que tem se pautado pela defesa da qualidade ambiental, da preservação dos lençóis subterrâneos e da preservação/incremento de uma consciência ecológica. Pode-se afirmar que os proprietários de empresas engarrafadoras em diversas localidades atuam como defensores do meio-ambiente e agentes de educação ambiental. Além de diversos programas ambientais aos quais as empresas engarrafadoras estão ligadas direta ou indiretamente, deve-se salientar a magnitude das ações do Setor quanto às áreas de preservação: somente as áreas de proteção das fontes, somadas, representam dimensão equivalente ao Estado de Sergipe.
Como as empresas e autoridades locais avaliam o processo de concorrência com a água adicionada de sais:
Necessidade de esclarecimento do consumidor quanto às características da água mineral, enfatizando seus atributos: pura, saudável, natural e com origem definida;
Conscientização da população no sentido do estabelecimento da diferença entre ambas as águas;
Como se dividem as opiniões:
Enfrentar a concorrência com a água adicionada de sais por meio de ações conjuntas das empresas do setor, mais diretas, envolvendo estratégias de marketing e estratégias publicitárias para mobilização de formadores de opinião e para esclarecimento do consumidor;
Estratégias conjuntas no sentido de mobilização dos segmentos políticos ligados aos níveis local, regional e nacional, buscando aperfeiçoamento normativo, a fim de coibir a indução a erro do consumidor.
"Apostar" na capacidade seletiva do consumidor, deixando a seu critério a escolha.
Quanto à legislação:
Necessidade de uma legislação mais "preservadora", visando reduzir o poder das grandes empresas;
Deve-se salientar o fato de que a presença de um código de ética e de um código legal de proteção poderia ser capaz de neutralizar o jogo de poder que se estabelece no mercado - agressivo, desleal etc. – entre as empresas locais e as empresas globalizadas.
O debate em torno da denominação da água adicionada de sais, objeto de várias portarias, revela a influência dos setores econômicos mais fortes na elaboração da própria legislação e os benefícios a serem auferidos apenas por esses grupos: na Portaria de no. 328, de dezembro/1995, a denominação utilizada é "água adicionada de sais"; quatro anos depois, o debate se acirra e, em 1999, uma nova Portaria, de nº. 26, de Janeiro, e a Resolução nº. 309, definem, respectivamente, "água comum adicionada de sais" e "água purificada adicionada de sais", beneficiando as empresas e grupos interessados.
A água mineral na globalização
Os resultados alcançados pela pesquisa, expressos neste relatório, demonstraram que a história da água mineral no Brasil entreteceu-se com a vida das localidades nas quais nascem, desempenhando, ao longo do tempo, um conjunto muito amplo de funções para além daquelas de uma mera commodity. No momento presente, as principais funções da água mineral estão associadas à identidade das localidades e sua organização; ao valor econômico; à geração de empregos; à difusão de tecnologia e à defesa do meio ambiente. A exploração comercial da água mineral não pode ser entendida como uma atividade econômica qualquer, exatamente por seu caráter acentuadamente multifuncional. Viu-se que o impacto da concorrência, de produto globalizado e assemelhado por força de marketing, extrapola em muito as empresas engarrafadoras, atingindo a vida das localidades.
O setor de águas minerais no Brasil constitui hoje precioso caso para a reflexão sobre os efeitos da globalização nas nações em desenvolvimento e, sobretudo, da necessidade de criação de políticas mais sutis e diversificadas de inserção na nova ordem mundial. Fica patente pelo seu estudo que regras gerais e simplistas são insuficientes para assegurar um desenvolvimento econômico e social de feições desejadas pela cidadania.
O valor de algumas atividades não se limita a quanto geram de renda monetária
O exemplo europeu parece bastante útil nesse caso: lá não se aceita que as benesses do livre-comércio,
geradora de salutar concorrência capaz de maximizar produtividade e qualidade na maioria das atividades econômicas, possa ser justificativa para uma política inadvertida que, ao desconhecer as peculiaridades de poucos e determinados setores, acaba por comprometer a organização social e econômica de regiões inteiras. Argumentam os europeus que o valor de algumas atividades não se limita ao quanto geram de renda monetária, já que tais atividades mantém uma relação particularizada e importante com o meio ambiente e com a sociedade nele presente. Protegem assim sua agricultura para defender a paisagem da deterioração causada pela inatividade produtiva ou por novo uso mais agressivo ao meio; para a garantia da vida social de suas localidades, evitando o êxodo e, também, por motivos geopolíticos, entre outros. Este é o entendimento da multifuncionalidade do setor.
Assim, as políticas européias de inserção na economia globalizada não fazem tábula rasa das condições concretas de setores sensíveis e socialmente importantes. Trata-se de política mais ajustada à realidade, manejada por gestores preocupados com o tipo de efeito de suas decisões sobre a vida de seu povo. O exemplo europeu deveria ser seguido pelas autoridades brasileiras no caso da indústria de água mineral: todas as características do setor integram-no ao conceito de multifuncionalidade e, requer, por isso mesmo, proteção especial.
Não se trata aqui de defesa protecionista da economia nacional contra a concorrência estrangeira, nem de reivindicação corporativa. A defesa de um setor multifuncional é moderna, contemporânea à globalização, e busca a proteção da sociedade contra a atividade econômica predatória. E este é um direito inalienável das nações e um dever de suas autoridades.
As autoridades brasileiras, infelizmente, não estão a comportar-se como suas congêneres européias no caso das águas minerais. Afora vereadores e prefeitos das localidades produtoras, poucos são os parlamentares e detentores de cargos executivos atentos à questão. Prova disso é que o processo decisório que autorizou a produção da "água comum adicionada de sais" limitou-se a um ato administrativo assinado por um diretor interino do Departamento Técnico-Normativo da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, sem a salutar instrução da voz dos setores potencialmente interessados. Isto mostra o quanto o Brasil ainda está atrasado no que se refere à compreensão das exigências de uma democracia forte.
A indústria brasileira de águas minerais dificilmente poderá concorrer com um produto assemelhado, mas globalizado.
É impossível transferir as fontes para regiões mais próximas aos mercados consumidores
As peculiaridades da produção de água mineral têm assegurado um setor marcadamente concorrencial, com cerca de duzentas pequenas e médias empresas, dispersas pelo território nacional, alocadas, especialmente, em regiões interioranas. Seus produtos estão normalmente associados às respectivas fontes, o que permite apenas uma atividade de marketing bastante modesta comparada a de um produto globalizado. Além disso, ao contrário do que pode ocorrer com a "água adicionada de sais", é impossível transferir as fontes para regiões mais próximas aos mercados consumidores. Assim, o transporte, que pesa bastante na composição dos custos, pode vir a ser um diferencial importantíssimo contra as chances da indústria de águas minerais. Outra fonte relevante de custos da água mineral está nas exigências de proteção ambiental, ausentes naturalmente em produto industrializado.
A água adicionada de sais continuará a não ser água mineral
O resultado disso tudo é que a água adicionada de sais será mais barata, melhor propagandeada, melhor distribuída... embora continuará a não ser água mineral. A maioria dos consumidores, não sabendo diferenciar os produtos, já que a publicidade da água adicionada de sais em tudo evoca a mineral, provavelmente fará a opção enganado.
Na impossibilidade de concorrer, o cenário mais provável é o da aquisição das concessões de lavra pelas multinacionais do setor alimentício e de refrigerantes, sabidamente oligopolizados. Em tal caso, a água mineral brasileira, cuja qualidade é comparável às melhores do mundo, poderá tornar-se produto de alto luxo, com preços bastante elevados.
Para reestabelecer a justiça, esta lógica não se circunscreve somente no âmbito das multinacionais. Maximizar os próprios interesses é atitude intrínseca aos agentes econômicos de um modo geral. Os efeitos desse tipo de atitude é que variam segundo os recursos de poder e as condições do meio. É neste aspecto - o dos recursos de poder - em que a vantagem das multinacionais é irrefutável.
A globalização da economia, em seu sentido restritivo de acordo de supressão de barreiras alfandegárias e desregulamentação, só faz sentido como exposição dos agentes econômicos às regras da concorrência e jamais pode ser invocada para a concentração e oligopolização dos efeitos danosos às sociedades.
Ela só é compensada pela presença, no meio social, de regras que restrinjam o potencial agressivo sem lhe tolher a capacidade de prosperar em parceria profícua com a sociedade nacional.
No caso da "água adicionada de sais" urge, por parte das autoridades, repensar as regras, a fim de que o consumidor não seja logrado e a sociedade possa continuar a usufruir dos benefícios da presença significativa do setor da água mineral.
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