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Legenda da foto: Franklin Frederick: alvo de espionagem da multinacional suíça? (Reto Oeschger/Tages-Anzeiger)
Num caso de espionagem que está sendo investigado pela Justiça suíça, a empresa de segurança Securitas teria repassado à Nestlé informações sobre a Attac e o ativista brasileiro Franklin Frederick.
A Nestlé também é alvo de críticas porque seu diretor-geral na Suíça, Roland Decorvet, integra o conselho de uma fundação da Igreja Protestante contrária à privatização da água. A empresa rebate as acusações e nega a existência de um conflito de interesses.
O assunto não é novo, mas voltou a ser destaque na semana passada nos jornais Tagesanzeiger e 20min.ch, ambos do grupo Tamedia, segundo maior grupo de mídia da Suíça, com manchetes como "A espionagem da Nestlé na luta pela água".
Um dos personagens envolvidos é o ativista Franklin Frederick, que o Tagesanzeiger caracteriza como "uma espécie de James Bond brasileiro. Há anos ele se engaja contra a privatização da água, especialmente contra a multinacional suíça Nestlé, que explorou fontes minerais em São Lourenço (MG) e vendeu a água sob o rótulo Pure Life".
A comparação um tanto exagerada com James Bond se deve ao fato de que no novo filme de 007, Quantum of Solace, o superespião britânico luta contra um vilão que tenta controlar e privatizar importantes fontes de água na Bolívia.
Segundo o diário de Zurique, Frederick, um dos líderes do Movimento de Amigos do Circuito das Águas Mineiro (Macam), foi "uma das vítimas mais eminentes do ataque de espionagem à organização antiglobalização Attac".
Nos anos de 2003 e 2004, uma funcionária da Securitas (empresa responsável pela segurança da Nestlé) com o codinome "Sarah Meylan" teria sido infiltrada na Attac do cantão de Vaud, estado em que fica a sede da multinacional. Na época, um grupo de autores da ONG escrevia o livro Attac contra o Império Nestlé, publicado em 2005.
Segundo a acusação da Attac, Sarah produziu dezenas de perfis de militantes, com nome, altura, cor de cabelo e pele, idéias, idade, perfil político e até mesmo hobbies. Ela também teria repassado informações sobre pessoas que atuavam contra a empresa em outros países. "Não sabemos o que foi feito com as informações quando elas chegaram à empresa", disse o advogado dos ativistas, Rodolf Petit.
O nome de Franklin Frederick aparece várias vezes no protocolo de espionagem de 77 páginas entregue pela Nestlé à Justiça Civil de Vaud. O ativista brasileiro havia obtido apoio da Attac, do Greenpeace, da Declaração de Berna, da Igreja Reformada de Berna e de outras organizações suíças à sua campanha contra a Nestlé em São Lourenço e fornecera informações aos autores do livro.
O "império" contra Attac
Numa audiência em 23 de julho passado perante o juiz Jean Luc Genillard, no Palácio da Justiça de Lausanne, os advogados da multinacional e da Securitas disseram que os relatórios de Sarah eram "banais" e que as fotos que faziam parte das fichas sobre cada ativista foram "tiradas em locais públicos".
Em um comunicado, a Nestlé admitiu ter pedido a ajuda à Securitas "para antecipar possíveis ataques" e lembrou as circunstâncias daqueles anos, "quando havia uma atmosfera tensa em torno da cúpula do G8 em Evian (na vizinha França, em 2003) e a Attac atacou a sede da Nestlé em Vevey, causando danos materiais significativos".
Frederick, que atualmente se encontra na Suíça, lembra-se de Sarah Meylan. "Ela freqüentou o grupo Attac de setembro de 2003 até junho de 2004. Este foi não só o período de elaboração do livro, mas também o período em que o caso de São Lourenco teve a maior repercussão na Suíça."
O ativista brasileiro teve contato pessoal com a "espiã". "Nós nos encontramos várias vezes e chegamos mesmo a trocar alguns e-mails." Agora Frederick quer saber se seu correio eletrônico também foi espionado ou eventualmente ainda continua sob observação.
Ele compara o caso de espionagem da Nestlé com métodos usados pelos governos ditatoriais da América Latina nos anos de 1960 e 1970 e acredita que não só a Attac tenha sido infiltrada. "Claro que dentro de nosso movimento também havia infiltrados", diz.
Questionado pela swissinfo, se a Nestlé realmente mandou espionar Frederick, o diretor de relações com a mídia da empresa, Robin Tickle, respondeu: "O pedido de infiltração de ONGs não faz parte da política da Nestlé. A Attac deu queixa contra a Nestlé, e assim atualmente estão em andamento vários processos judiciais. Não podemos falar sobre isso em detalhes. As sentenças são esperadas para um futuro próximo e as esperamos com tranqüilidade. O senhor Frederick nos é conhecido há muitos anos como crítico da Nestlé. É evidente que ele se movimenta no ambiente da Attac."
Para Frederick, no entanto, "não há dúvida de que essa operação foi encomendada pela Nestlé, como mostra o protocolo que a empresa entregou à Justiça. O processo agora tenta esclarecer se houve violação à privacidade das pessoas espionadas."
"Conflito de interesses"
Em nome do Conselho das Igrejas Cristãs (Conic) e da Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB), Frederick atualmente coordena o projeto ecumênico "Água como direito humano e bem público". Ele também participou da elaboração de uma declaração assinada em 2005 pela CNBB, a Conferência dos Bispos da Suíça e a Federação das Igrejas Protestantes Suíças (SEK, na sigla em alemão) contra a privatização da água.
Integrantes da Igreja e de ONGs suíças pediram à SEK que "proteste publicamente na Nestlé contra a espionagem", que teve ramificação no Brasil. Um pedido delicado, porque a SEK, na sua assembléia de junho passado, elegeu o diretor-geral da Nestlé suíça, Roland Decorvet, para o Conselho da Fundação da Obra Filantrópica das Igrejas Protestantes da Suíça (Heks, na sigla em alemão).
A Heks apóia projetos de ajuda a países em desenvolvimento. Críticos da eleição de Decorvet dentro da própria Igreja temem que ela perca a sua credibilidade, uma vez que assinou a declaração pelo direito à água enquanto a Nestlé estaria interessada na privatização. Neste ponto, haveria um conflito de interesses entre Decorvet e a Heks.
Robin Tickle nega a existência desse conflito de interesses. "O senhor Decorvet se engaja como fiel protestante e foi eleito por representantes da Igreja para o Conselho da Heks. Ele exerce essa função como pessoa física e não como representante da Nestlé, embora a Nestlé desempenhe um papel importante em países em desenvolvimento e tenha acumulado experiências que se dispõe a partilhar com outras organizações", disse à swissinfo.
Direito humano à água
Perguntado se o interesse da Nestlé em privatizar a água não colidiria com o direito humano à água, o porta-voz da multinacional disse é preciso diferenciar entre a água potável para o abastecimento básico e aquela que é usada para a produção de outros produtos, por exemplo, na agricultura, responsável por 70% do consumo mundial de água.
"Existe um direito à água para satisfazer as necessidades básicas diárias do ser humano. Isso, segundo a ONU, são 25 litros por pessoa por dia. Mas não existe um direito humano à água que é usada para regar um campo de golfe ou lavar o carro. Esta água precisa ter um preço de mercado para que não seja desperdiçada", disse Tickle.
Segundo ele, nos últimos cinco anos, a Nestlé economizou mais água através da otimização de sua produção do que vendeu em garrafas. "Não se trata de uma privatização ou estatização geral da água – 97% do abastecimento mundial de água estão na mão do Estado, mas mesmo assim 1 bilhão de pessoas não têm acesso seguro à água potável. Trata-se de realmente implementar o direito humano à água e que o restante da água tenha um preço justo", afirmou.
swissinfo, Geraldo Hoffmann
CASO SÃO LOURENÇO
A Nestlé produziu a água Pure Life desde 2001 até 2005. Acusada de causar danos ambientais, em 2006, a empresa assinou um acordo com o Ministério Público Estadual, pelo qual se comprometeu a encerrar a produção da Pure Life e parar com o bombeamento de água, exatamente as reivindicações que haviam sido feitas pelo movimento liderado por Franklin Frederick.Leia as posições atuais da Nestlé e de Frederick sobre o caso:Robin Tickle, Nestlé: "O caso Nestlé em São Lourenço foi solucionado há muito tempo. A produção da água Nestlé Pure Life parou em 2004 e o processo judicial foi encerrado. Todas as investigações estatais e independentes confirmaram a conformidade da utilização da água pela Nestlé Waters. Nos últimos dois anos, a Nestlé renovou completamente a área de spa e wellness do Parque das Águas e melhorou muito suas relações com a população local. A marca de água Nestlé São Lourenço continua tendo sucesso no mercado brasileiro."Franklin Frederick: "A situação em Minas Gerais ainda não está solucionada. Uma avaliação em profundidade dos danos causados pela exploração da Nestlé no Parque das Águas de São Lourenço nunca foi feita – e duvido que venha a ser. Não seria conveniente nem para a Nestlé nem para os diversos órgãos públicos que se omitiram durante tantos anos. Numa audiência pública sobre o caso, realizada em 2004 no Congresso Nacional, todos os órgãos federais presentes foram unânimes em afirmar que a produção da água de mesa Pure Life era ilegal."
SITES RELATIVOS
Íntegra da posição de Franklin Frederick sobre o caso São Lourenço e a espionagem da Nestlé. (http://www.acquasul.com/attac.htm)
Nestlé Brasil (http://www.nestle.com.br)
Nestlé Suíça (http://www.nestle.ch/de/Pages/default.aspx)
Heks (http://www.heks.ch/de/)
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